O serviço de Cuidados Intensivos não é fácil. Todos os dias entram e saiem doentes. Uns chegam tão mal, os prognósticos são muito reservados. Os médicos apenas dão algumas armas, resta a cada coração lutar pelo seu batimento.
Por vezes o coração fica tão cansado que não consegue resistir e para de fazer aquela função. Deixou de bombear o sangue. Deixou de bater. Os médicos e enfermeiros apressam-se a fazer tudo aquilo que podem para o estimularem e fazerem com que ele volte a bater. É preciso força, é preciso luta, é preciso insistência. É uma guerra onde não há dois lados, apenas um. O coração não quer voltar a bater. Já passaram 20 minutos e não houve qualquer reacção. Denota-se o cansaço nos médicos e nos enfermeiros, denota-se a tristeza, mas há uma esperança no fundo do olhar daquelas pessoas.
Olha-se insistentemente para o relógio. Passaram 30 minutos. Todos sabem que a cada segundo que passa as hipóteses de ele reagir reduzem 50%. Não desistem. Soam. Fazem todos os possíveis, aplicam todas as drogas que têm à sua disponibilidade. Fazem as manobras. Começa a sentir-se um nervosismo desconfortável. Todos sabem que aquele coração não voltará a bater. O som continuo e penetrante do monitor quebra o silêncio triste que reina entre toda a equipa. É a morte que se aproxima.
Em palavras que saiem sílaba a sílaba o médico declara o óbito. A máquina desliga-se imediatamente e o silêncio congela tudo o que se passa à volta. Não há mais doentes, não há mais ninguém. É preciso sofrer ali. Deixar ali tudo. O sentimento de perda. O sentimento de dor e o sentimento de impotencia. Não há lágrimas nem choros, apenas silêncio. Passados alguns minutos recomeçam regressar a realidade. Sabem que ainda há muito para fazer: desentubar, tirar tudo e isso, talvez o mais complicado, avisar a familia.
Nunca se diz ao telefone o que aconteceu, apenas se chama a familia. Por vezes tenta-se aligeirar o ambiente com algumas conversas, mas não resulta. Todos sabem que ainda têm uma situação dificil. A familia chega. A equipa reune-se. O médico, mesmo tentando evitar, não consegue ser directo. A familia percebe. Abate-se a dor, a tristeza e o desespero. A equipa sofre em silencio, pois a sua função é apoiar.
A situação acalma. O trabalho continua. A vida é para a frente. Existem mais doentes e muitos deles que entram muito mal conseguem sair bastante bem. As situações más ficam ali encarceradas dentro daquelas quatro paredes. As situações boas, essas utilizam-se como forças de impulsão para um novo dia, um novo caso, um novo doente...
Amadeu Martins