Parámos com um solavanco que nem sequer nos afecta. Dou por mim encandeado pela aquela luz forte e vermelha que me envade o espírito. Sei que demorará a desaparecer. Sei que demorará a dar permissão. Afogo-me em tantos pensamentos. Lembrei-me daquela criança que vi quando fui pela primeira vez ao serviço de pediatria do IPO. Aqule olhar tão vazio de quem estava ali sem nada e com tanto. Dor? Talvez... O seu olhar não reflectia nada. Era vazio como se toda a actividade cerebral tivesse parado. Não esboçava um único sorriso, um único olhar que despertasse a atenção de alguém. Era opaco a qualquer emoção, a qualquer estímulo.
A luz vermelha continua lá...
A segunda vez que o vi continuava no mesmo estado. Nem um único sorriso. Os brinquedos, os balões, os papéis, nada parecia ter significado para aquela criança. Como é possível? Como é possível uma criança estar alheia ao resto do mundo? Não sei... Apenas sei que aquela criança me fez pensar em tanta coisa...
Mas há sempre a esperança. A última vez que fui ao IPO lá estava ela e não era a mesma. Estava a sorrir, a brincar... Era uma criança doente, mas era uma criança! Uma criança com tudo a que tem direito: com sorrisos e uma réstia de alegria, que por muito pouca que possa ser parece ser igual à alegria do Universo.
Arrancámos de novo. A luz vermelha deu lugar a um buraco sem vida. Mas a luz verde acendeu iluminando-nos e deixando-nos passar. Engraçado! Tal como aquela criança onde uma luz verde se acendeu entre os lábios.
Continuei viagem e não pensei mais...
Amadeu Martins